Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Os consumidores higienizariam as mãos com o álcool e calçariam as luvas, antes de pegar os pratos e os talheres. Para monitorar o cumprimento destas normas, um funcionário ficaria responsável pela orientação.
De acordo com Moacir Betti, proprietário do restaurante Via Imperatore e presidente da ACCB, a campanha surgiu de uma observação feita ainda em meados de maio. Neste período, foi realizada a primeira reabertura do setor, com atendimento ao público, na modalidade em que um funcionário do estabelecimento — equipado com máscara – fica responsável por servir o prato a gosto do cliente.
Betti pontua que esse formato de atendimento aumenta a aglomeração de clientes, faz com que mais funcionários fiquem próximos um dos outros atrás das ilhas e aumenta a necessidade de diálogo entre o colaborador e o cliente.
— Há possibilidade de maior contaminação da máscara, tanto da do atendente, quanto da do consumidor, devido à necessidade de conversa entre eles sobre o que o cliente quer e a quantidade de comida que deseja no prato. Essa medida viria para preservar a saúde do funcionário e também para voltar a dar independência e satisfação ao cliente, que está muito acostumado a montar seu prato com a porção que ele quer, de maneira simples e rápida, que é o grande trunfo do sistema de bufê — afirma.
O presidente da ACCB afirma que conversou com donos de restaurantes dos bairros Cidade Baixa, Centro Histórico, Menino Deus e Praia de Belas e que, até o momento, 45 estabelecimentos já se mostraram favoráveis à campanha. Ele disse ainda que a proposta foi apresentada ao secretário adjunto da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz.
A assessoria de imprensa da pasta afirmou que o “protocolo está sendo analisado com cautela, porque bufê é um lugar muito sensível e que, por isso, requer uma análise tecnicamente minuciosa”.
Modelo vem de outros Estados e é rebatido por especialista
O projeto desenhado por Betti, juntamente com a nutricionista Luciana Meneghetti, foi inspirado em ações de flexibilização vistas em Pernambuco e Santa Catarina. Essas localidades decretaram — em julho e junho, respectivamente — que os estabelecimentos com autosserviço devem disponibilizar luvas de plástico descartáveis e que os talheres devem ser disponibilizados em embalagens individuais.
Cláudia Bica, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e especialista em biossegurança, afirma que nenhum protocolo de recomendação do uso, nacional ou internacional de saúde, indica o uso de luvas para conter a contaminação, por contato, pelo coronavírus em ambientes comerciais por uso de clientes e comerciantes.
Ela destaca ainda que, até o momento, não existe nenhum estudo que comprove qualquer benefício do uso de luvas uso fora do ambiente hospitalar ou de laboratório. Enfatiza também que, se as pessoas usarem luvas indiscriminadamente, terão a falsa sensação de segurança e acabarão negligenciando outras ações comprovadamente eficazes para redução da transmissão do vírus, como o distanciamento, a lavagem de mãos ou o uso de máscaras da forma certa.
— Até o momento, não há nenhuma evidência de que esta indicação possa trazer algum benefício, e, pelo contrário, isso gera prejuízos ao meio ambiente, devido ao descarte de luvas, pois a quantidade necessária seria enorme. É compreensível a boa intenção da iniciativa. Contudo, na hora de servir um segundo prato, por exemplo, essas pessoas podem estar sem máscara e contaminarem a comida ao respirarem em cima das ilhas, mesmo que elas tenham proteção de acrílico — destaca a especialista.
Para Cláudia, os que desejam frequentar serviços de bufê precisam passar pelo processo de adaptação de serem servidos e de não mais montarem seu próprio prato.
Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), explica que a luva pode se transformar em fonte de contaminação e questiona como os restaurantes fariam o correto descarte das luvas.
— Se contaminado, esse material não pode ser descartado em lixo comum, tem que ser no biológico. O funcionário do bufê não pode ficar responsável por manipular esse material, porque não se sabe o que está contaminado e o que não está. Dentro deste contexto de pandemia, o sistema de autosserviço requer uma normatização muito rígida, de limpeza constante das superfícies, troca intensa das colheres e pegadores, distanciamento entre clientes e mais uma série de outros regramentos.
O protocolo sugerido pelos empresários aponta que, após o uso, a luva "tem o mesmo destino dado para os sacos de talher, descarte em lixo seco.
Marina Rodrigues da Silva, médica infectologista do Serviço de Infectologia do Hospital São Lucas PUCRS, reforça que não existem evidências científicas que comprovem que o uso de luvas descartáveis diminui o risco de transmissão do coronavírus:
— No caso de restaurantes com bufê, a melhor maneira de evitar transmissão do vírus é, em primeiro lugar, realizar a higiene adequada das mãos antes de tocar em qualquer alimento, louça ou utensílio e o uso de máscara durante o ato de servir a comida, retirando-a apenas após sair da área do bufê para comer.
Insatisfação da clientela
Sandra Chies, proprietária do Palácio Buffet, restaurante localizado no Centro Histórico há 27 anos, afirma que o maior problema do atual sistema de atendimento é a demora:
— Eu consigo separar até quatro funcionários para fazer esse atendimento específico. Mas algumas pessoas são mais demoradas para escolherem o que querem ou qual porção de carne desejam, por exemplo, e isso acaba fazendo com que um serviço rápido, que é o bufê, se torne demorado. Por isso, eu e empresários do setor vemos com bons olhos esta alternativa.
O mesmo foi observado por Marco Antônio Pereira, gerente da Freio de Ouro, no bairro Menino Deus. Ele relata que os consumidores, às vezes, ficam irritados com a impossibilidade de se servirem.
— A gente segue o protocolo da prefeitura, mas os clientes são exigentes e estranham esse sistema. Acredito que esta ideia pode ser benéfica ao setor. Se ela for validada no futuro, pretendemos aderir — diz Pereira.
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